sábado, 23 de agosto de 2008

Olimpíada semi-finais - comentário Ricardo Perrone

Ontem, Kiko e Felipe tiveram folga durante o dia e puderam nos visitar. Almoçamos juntos e de noite fomos a um jantar oferecido por nossos amigos daqui. O assunto da maior parte do dia não pode deixar de ser o jogo de ontem. Não vou comentar o que foi discutido em relação à atuação do time porque não seria ético. Por falar em ética, não posso deixar de registrar que, após o jogo, um dos jogadores da Sérvia veio meio que pedir desculpas pelo que tinham feito (entregar o jogo anterior à Itália) e explicar que não era para pegar a Espanha e sim para fugir da Hungria depois.
Nesse jogo de interesses políticos e financeiros que virou o esporte e em relação a outros atos já cometidos por diversas equipes, a atitude deles talvez até não possa ser considerada como uma falta de ética gravíssima. Não acredito que muitas equipes deixassem de fazer o mesmo. O que não diminui a raiva de ver o enorme esforço da Espanha para chegar em segundo e pegar um adversário, pelo menos teoricamente, mais fraco ter sido colocado por terra. Mas, já diz o ditado: "Aqui se faz, aqui se paga" ou melhor ainda: "Castigo vem a cavalo". Mais abaixo comento isto.
Os garotos não me pareceram muito abatidos, pois estão conscientes dos erros cometidos na preparação e das próprias deficiências da equipe, que dependia de uma atuação mais que perfeita de todos e que, por várias razões, inclusive a contusão do Kiko, não foi possível atingir.
À tarde, vimos na TV a decisão do pólo feminino. Vão dizer que estou de perseguição com os técnicos daqui, mas realmente hã coisas que não dão para entender. Os USA estavam fazendo um jogo duríssimo com a Holanda, que perdia muitos gols e só uma menina conseguia sucesso. Danielle de Brujn era o seu nome. Faltando 28 segundos para terminar o jogo, homem a mais para a Holanda e tempo pedido. Os técnicos dão suas instruções, os USA armam uma defesa fechada e uma menina da Holanda sobra na posição 3 para decidir. Adivinhem quem elas deixaram livre para balançar 4 vezes, mandar uma "tiça" e fazer o gol da medalha de ouro
? Isso mesmo, a Danielle de Brujn, que já tinha marcado 6 vezes e, cheia de confiança, marcou o sétimo. Agora me digam, o que passou na cabeça desse técnico para ele não ter dito na preleção: "Haja o que houver, a Danielle NÃO pode chutar! Qualquer uma menos ela!"?
De noite, no jantar, conversamos com vários jornalistas que estão aqui em Pequim e obtivemos algumas informações muito interessantes. Por exemplo, quando falei que tinham mais voluntários do que formigas, vocês têm idéia do que seja esse número
? 150.000 pessoas! Ou seja, 10 voluntários para cada atleta. Tínhamos ouvido alguém dizer que muitos dos voluntários tinham sido coagidos pelo governo a se apresentarem e perguntamos ao jornalista que nos tinha dado esse número o que ele sabia ou pensava disso. A resposta foi que ele não acreditava, pois um milhão de pessoas tinha se apresentado, dentre as quais foram selecionadas essas 150.000. Para que vocês não pensem que é uma visão de um defensor do regime, ele logo emendou dizendo que por outro lado, foram, aí sim, convocados todos os guardas de bairro e outros policiais para montar uma gigantesca rede de espionagem para a identificação de qualquer pessoa que pudesse fazer algum protesto ou dar informações negativas para a imagem da China aos estrangeiros durante a Olimpíada. Ele disse que milhares de pessoas foram mandadas embora de Pequim ou presas durante os seis meses anteriores às Olimpíadas. Ouvimos também muitas histórias e fofocas sobre os bastidores da cobertura da Olimpíadas, mas não dá para reproduzir em um e-mail tão público. Vai ter que ficar para as conversas de beira de piscina.
Hoje, então, fomos à piscina só para ver os jogos. Pela primeira vez sem ser para torcer. O primeiro jogo, Canadá e China, foi muito duro. De ver. Por mais que esses times tenhsm melhorado, e é verdade que isso ocorreu, a diferença técnica para as demais equipes ainda é muito grande. É outra divisão. O Canadá ganhou ao final, valendo o 11o lugar, por 8 x 7.
Itália e Austrália fizeram o segundo e último jogo da manhã, valendo a classificação para disputar o 7o e 8o lugares. Ao contrário do que eu esperava, a Austrália entrou ainda mais desanimada que a Itália. Irreconhecível, atacando em câmera lenta e sem mostrar nada da garra das partidas anteriores. Com isso a Itália abriu logo 2 x 0. Aí houve a transformação. Nenhum atleta de nível aguenta perder de outro país sem brigar. Como diz o Kiko: "Atleta de verdade não gosta de perder nem par-ou-ímpar". A Austrália parece que ligou as turbinas e começou a nadar e a brigar como antes e virou o jogo para 4 x 2. Foi a vez dos italianos se queimarem a mudarem totalmente a atitude. Num instante, uma partida que parecia que ia ser um coletivão virou uma guerra, com os caras se matando na água. No segundo tempo, a Itália virou o jogo para 7 x 5. No terceiro, foi a vez da Austrália marcar quatro gols e virar tudo de novo, para ser alcançada no quarto e o jogo terminar em 10 x 10. Na prorrogação, mais 3 gols para cada equipe. Foram decidir nos pênaltis, contra dois goleiros, Tempesti e Stanton, conhecidos pela sua habilidade em defendê-los. No final, o Pietro perdeu um e Felugo e Sottani perderam dois. Vitória da Austrália e a Itália viu seu prestígio afundar mais um pouquinho. Na Itália, o centro Calcaterra fez de tudo. Expulsões, golaços de centro, de longe, tudo que tinha direito. Marcou 5 gols durante o jogo normal e mais o seu pênalti na disputa. A outra grande figura da Itália foi o goleiro Tempesti. Haja adjetivos para descrever as defesas que fez. O Sottani também marcou dois gols muito bonitos, mas teve a infelicidade de perder o pênalti decisivo.Na Austrália, mais uma grande partida do centro Gavin Woods. Das 17 expulsões conseguidas pela Austrália ele deve ter sido responsável por umas 12 pelo menos. O Pietro não esteve bem como nas partidas anteriores. Embora tenha feito dois gols, jogou sem qualquer marcação especial e nunca teve tantas chances de chutar de perto e isolou a bola em todas. Deu 12 chutes para marcar esses dois.
De tarde, a primeira partida teve um início parecido com a primeira. As duas equipes meio anestesiadas no início e se contaminando pela disputa do meio do 1o quarto em diante. Só que a Grécia mostrou-se uma equipe muito melhor estruturada e, ao cometer muito menos erros que os loucos alemães, foi aos poucos abrindo vantagem e venceu por 13 x 9. De novo, me chamou a atenção como a Alemanha não tomava nenhum cuidado especial com o Ntoskas, melhor chutador grego, que toda hora sobrava para decidir. Marcou 6 gols. O nível técnico desta partida foi bastante inferior ao de Itália e Austrália.
Até aí, estávamos na maior calma e conforto. Sentados na 3a fila, bem no meio do campo, dava para ver até os olhares e expressões dos jogadores. Foi quando entrou a torcida de Montenegro, para a disputa da 1a semi-final contra a Hungria. Os caras simplesmente desconheciam as instruções e pedidos dos chineses voluntários e iam invadindo todos os lugares vagos, se recusando a sair para dar lugar a quem tinha comprado. Como eu já previa isto, não tínhamos saído no intervalo e permanecemos. Só que não adiantou, porque ficamos cercados por uma multidão de trogloditas mal educados que cantavam, gritavam e acenavam bandeiras sem parar. Isso já antes de começar o jogo. A única forma de assistir ao jogo em paz, foi subir para a 15a fila. Tínhamos chegado dispostos a torcer um pouco por Montenegro, porque alguns jogadores são amigos dos meninos, mas assim fica difícil.
O jogo já começou pegando fogo, com Montenegro dominando e dando a impressão que ganharia. Seus centros, principalmente o Zlokovic, conseguiam expulsões em quase todos os ataques e a Hungria tinha dificuldades para vencer a forte marcação montenegrina. Na Hungria, só os canhotos Kiss e Benedek, com chutes fortíssimos, tinham conseguido fazer gols, enquanto Montenegro jogava fácil e ia marcando. Isso durou até a metade do 2o tempo, com 4 x 2 para Montenegro, quando o técnico húngaro tomou uma decisão que mudou o jogo. Assim como fez na semi-final do Mundial passado, no jogo contra a Espanha, tirou o goleiro titular Scezsi e colocou o reserva, Gergely. Esse novo goleiro agarrou logo duas bolas difíceis e a Hungria cresceu. Ao mesmo tempo, Montenegro começou a mostrar sinais de cansaço e os centros já chegavam a área alguns segundos mais tarde e demoravam mais a se posicionar, o que facilitou muito a defesa húngara. Também o goleiro, Scepanovic, que tinha fechado o gol contra a Croácia não estava bem. Tomou vários gols que poderia ter agarrado. De 4 x 2 Montenegro, o jogo foi aos poucos virando para 9 x 7 Hungria. O excelente técnico, Porobic, ainda mudou o goleiro, quase acabando o 3o quarto, o que fez melhorar o time, mas aí já era tarde. A Hungria estava cheia de confiança e o Zlokovic às vezes nem conseguia chegar no ataque, de tão cansado. Merecida vitória final da Hungria por 11 x 9, com sua torcida fazendo a festa.
O próximo jogo foi a 2a semi-final. A favoritíssima Sérvia contra a zebra americana. É meio feio isso, mas normalmente fico neutro nos jogos dos USA, porque mesmo sendo bom para o Brasil que eles estejam bem e abram mais uma vaga nas classificações para campeonatos internacionais e lá jogue o Tony, que conhecemos desde criança, já perdi tantas vezes para eles que não consigo torcer a favor. Mas desta vez, mesmo sem gritar USA!, USA!, a vitória deles nos deu um grande prazer. No início do jogo, parecia que seria uma repetição do jogo das preliminares, quando a marcação Sérvia acabou com o ataque americano, que só fez dois gols nos 32 minutos de partida. Com o Vujasinovic em cima do centro titular, Bailey, e o Udovicic, no 2o centro, Powers, a Sérvia marcava sob pressão o resto do time, que ficava quase no meio de campo. A Sérvia abriu o placar com um gol do Vujasinovic e tudo corria conforme o planejado para eles. Só que desta vez, os chutes de fora dos americanos, que no outro jogo só iam para fora ou na trave, hoje iam na gaveta e o goleiro Soro estava aceitando tudo, com o titular (e muito melhor) Sefik de castigo no banco. O Sapic ainda acertou um bonito chute no ângulo, no início do jogo, para colocar a Sérvia em vantagem por 2 x 1, e cheguei a falar para a Ema que hoje, finalmente, ele ia jogar o que sabia. Puro engano, não acertou mais nada. Chutou mais oito vezes, sendo que duas vezes com coberturas que não levaram a menor chance, e não fez mais nada. Só ser expulso duas vezes sem necessidade. Os americanos, por sua vez, foram crescendo pouco a pouco e matarm os sérvios. Tudo que eles faziam dava certo e nada do outro lado funcionava. O Tony deu show. Três gols importantíssimos e uma raça de dar gosto. Mas o melhor jogador americano foi sem dúvida o goleiro. Pegou tudo, até pênalti. No meio do 3o quarto, o técnico sérvio ainda botou o goleirão titular, mas já era tarde. A Sérvia foi massacrada e o placar final de 10 x 5 foi justíssimo. Uma aula de waterpolo, principalmente do técnico Schroeder.
Para nossa grande alegria, a Sérvia viu sua maracutaia voltar-se contra ela mesma e, ao invés de ser derrotada por uma equipe tradicional como Montenegro ou Hungria, que seria recebida com naturalidade em sua terra, teve de passar a vergonha de ser humilhada por uma equipe que ficou em 11o e 9o lugar, nos últimos dois campeonatos mundiais. Que delícia!
Domingo será o dia das decisões. Vamos para ver o que vai acontecer, mas o jogo da Espanha não vai espelhar a realidade. Ganhe ou perca, e por melhor que seja o jogo, já sabemos que nem ela nem a Croácia estarão dando o melhor. Jogar antes da disputa das medalhas é muito desanimador para duas equipes dessas.
Abração,
Perrone

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