Ontem, durante o dia, fomos à Vila Olímpica. Para chegar nos controles internos de segurança, tínhamos de pegar um ônibus especial que saía perto de uma estação de metrô. Como sempre, esse processo foi muito mais enrolado do que pensávamos e acabamos chegando na Vila em um horário inconveniente (14:00h), quando quase todo mundo estava fora competindo ou descansando em seus quartos. As horas que a Vila ferve são de manhã cedo, quando todos estão saindo para as competições ou à noite, quando estão voltando. Demos um volta a pé e de ônibus para ver as instalações e depois almoçamos no refeitório. Os jardins estão muito bonitos e a limpeza chama a atenção, mas, depois de ter visto tantos prédios espetaculares e super modernos espalhados pela cidade, confesso que fiquei um pouco decepcionado com os da Vila. Não que cheguem a ser horrorosos, mas o design é meio de conjunto habitacional e as cores poderiam ser mais vivas. Felipe e Kiko só vimos de longe, dando adeus atrás do vidro da janela de seu quarto, porque o técnico está na linha dura. Parece que em Atenas 2004, houve um pouco de abuso por parte dos atletas da seleção e este ano não estão querendo dar margem para qualquer comentário. Quanto aos demais atletas, fora o Sottani, que veio nos cumprimentar com a simpatia de sempre, não vimos mais ninguém conhecido.
Logo ao entrar na Vila, passamos pela loja de souvenirs. Tem muita coisa, mas nada que fosse tão bonito ou tão barato que justificasse a compra. O gosto chinês é meio "over", com muitos desenhos e brilhos. Além disso, não gostamos muito daqueles bonequinhos mascotes, que aparecem em quase todos os itens. Os preços dos produtos oficiais das Olimpíadas estão menores do que os normais de uma loja européia boa, mas muito acima do que costumamos pagar em liquidações. Para Ema e Kananda sairem com dois ou três itens cada uma, vocês podem imaginar... Mesmo assim, vimos uma ginasta russa empurrando um carrinho e colocando coisas dentro sem nem olhar direito, como se estivesse em um super mercado. Imagino que para ela estivesse tudo muito barato.
No final da visita, fomos almoçar. O refeitório é gigantesco, uns 300 ou 400m de comprimento por uns 40m de largura, com seções de comida mediterrânea, internacional, árabe, asiática e outras, ao longo de uma parede no comprimento. No meio e até a outra parede, centenas de mesas, com stands para salada e frutas, bebidas quentes e frias, sorvetes e até um McDonald´s. Tudo no 0800 para quem tem crachá. No nosso caso, tivemos de pagar R$33 por cabeça, porque apesar da boa vontade do funcionário do COB que nos acompanhou na visita, não havia ninguém disponível da chefia da delegação para nos dar uma autorização. O restaurante estava razoavelmente vazio, pois já eram 15:30h, e não tinham as filas nem aquele alvoroço e nervosismo das refeições antes de competição. Também não vi ninguém fazendo aquelas bandejas de equilibrista, com uma montanha de comida, como o Barriga e o pessoal do remo faziam nos refeitórios dos Panamericanos e Universíade que fui na década de 70. Acho que a garotada de hoje em dia já se acostumou com restaurantes tipo buffet e churrascarias rodízio e não fica mais com o olho grande que tínhamos naquela época. Só no Mc Donald's é que havia necessidade de esperar um pouco para pegar os sanduíches ou, no meu caso, o café. A qualidade e variedade da comida é boa, mas nada de excepcional. Na verdade, o melhor de uma Vila é o que não vimos. São os bate papos com brasileiros de outros esportes, podendo conhecer histórias incríveis das dificuldades que passaram para chegar ali e as amizades feitas com atletas de outros países, na maioria das vezes usando meia dúzia de palavras em várias línguas e muita gesticulação. Me lembro especialmente do Robertão, do basquete e do saudoso Mesquitinha, do Guanabara, que com com uma semana na Vila, só falando português, já cumprimentavam e abraçavam todo mundo como se fossem velhos amigos e não ficavam um dia sem "pegar" alguma gringa. Outra coisa muito engraçada são as as trocas de material esportivo no final dos Jogos. É um tal de gente tirando camisa e calça no meio da rua e negociando por gestos que parece que todo mundo enlouqueceu.
À noite, fomos a um teatro onde se apresentam acrobatas e mágicos. O teatro era meio "tabajara", com cadeiras muito pequenas e juntas umas das outras, mas o espetáculo foi razoável. Os mágicos não tinham os recursos tecnológicos dos mágicos americanos e europeus que costumamos ver no "Fantástico", mas, dentro dessa limitação, eram bastante habilidosos e simpáticos. Já os acrobatas para mim pareceram fantásticos. O que fizeram com bicicletas, sombrinhas, diabolos (aquelas peças de madeira que ficam girando em cima de uma linha suportada por dois bastões), bolas e na corda bamba, beira o inacreditável. Kananda e Ema, que estão acostumadas a ver espetáculos do nível do "Cirque du Soleil", torceram o nariz e acharam fraquinho. Depois jantamos em um restaurante italiano perto de casa. Os pais do Xavi Garcia, da seleção espanhola, foram com a gente e não nos deixaram pagar nada. Nem os ingressos, nem o jantar. Disseram que queriam agradecer a atenção que demos ao Xavi e ao outro filho, o Dani Garcia, que jogou um torneio pelo Botafogo, quando estiveram no Brasil. Gostei ainda mais do show e da comida.
Mesmo com ingressos, não fomos ver os jogos da manhã: Grécia x China e Itália x Canadá, pelo 7o ao 12o lugares. Ficamos "concentrados" para as batalhas da tarde. A Ema estava tão nervosa que se encostasse nela dava choque. Eu também, mas disfarçando melhor. A Itália ganhou do Canadá por 13 x 11. Vimos depois, na TV, o jogo Grécia e China, onde a Grécia jogou burocratimente e ganhou como quis, por 13 x 8.
De tarde, depois do almoço, fomos para a piscina. Lotada, com pouquíssimos lugares vazios. O chato é que mais da metade é de chineses, que estão muito mais interessados em fotografar as torcidas, os mascotes que entram nos intervalos e em tudo mais, menos nos jogos. No primeiro jogo, uma batalha de gigantes. Dois dos três maiores favoritos fazendo um inesperado jogo de vida ou morte, pois contavam como certo passar direto para as semi-finais ou, no mínimo, pegar um adversário mais "acessível", como Espanha, Itália ou USA. No segundo, a Sérvia, ainda favorita, mesmo com as más atuações da fase preliminar, pegando uma Espanha surpreendente e cheia de vontade de voltar ao pódio olímpico, que não frequenta desde a medalha de ouro de Atlanta 96.
O jogo de Montenegro e Croácia não foi bom tecnicamente. As duas equipes parecem estar mal física e psicologicamente e alguns de seus jogadores estão irreconhecíveis. O centro Smodlaka, da Croácia, que foi um leão nas finais da Eurocopa, jogando pelo Jug, neste campeonato só fazia faltas de ataque e raramente conseguiu cavar expilsões ou fez gols. O Boskovic, também croata, melhor jogador europeu da temporada, simplesmente sumiu do jogo e nas poucas vezes que chamou a atenção foi pelos chutes fora de hora e sem levar o menor risco ao goleiro adversário. Quem jogou muito bem na Croácia foi o veterano Hinic, que fez dois golaços de centro seguidos, quando Montenegro estava ganhando de 4 x 1 e 5 x 2 e parecia que ia levar fácil. Botou seu time de novo na partida. Do lado de Montenegro, não houve nenhum destaque individual, talvez só o goleiro Scepanovic, que deu a volta por cima depois da catástrofe contra a Espanha e fechou o gol. Vários jogadores jogaram bem, como os irmãos Janovic, os marcadores de centro Jokic e Ivovic, e o centro Zlokovic, no 1o tempo. Para mim, quem falhou feio mesmo, foi o técnico croata Rudic. No primeiro tempo, os centros de Montenegro, principalmente o Zlokovic, estavam fazendo um carnaval na área da Croácia, provocando um monte de expulsões e chutando várias bolas perigosas, mas só no início do segundo o técnico substituiu o marcador Buric, enorme (2,05m), mas pouco técnico para conseguir marcar o Zlokovic. Quando entrou o Buslje, um garoto de 22 anos que é fortíssimo e muito técnico, o jogo mudou totalmente. O garoto escondeu os centros croatas de uma forma que eles não conseguiram mais nenhuma expulsão nem gol. O que ele fez com o Zlokovic, eu não tinha nunca visto. Basta dizer que o Buric jogou 9 minutos e meio e tomou 3 expulsões. O Buslje jogou os demais 22 minutos e meio e não tomou nenhuma. Não dá para entender porque o Rudic manteve esse Buric de titular durante toda a Olimpíada, deixando o garoto a maior parte do tempo no banco. Montenegro conseguiu se manter à frente por um ou dois gols o jogo todo e, no final, classificou-se para as semi-finais com o placar de 7 x 6.
O jogo final do dia foi Espanha x Sérvia. A esperança era grande, pois a Espanha vinha crescendo a cada jogo e a Sérvia ainda não tinha feito nenhuma grande partida, mas ninguém podia esquecer que no Campeonato Europeu tinha derrotado a poderosa Hungria e só tinha perdido para Montenegro na final, na prorrogação, em um jogo em que a arbitragem foi um desastre. A Espanha, para ganhar, tinha que jogar muito bem e esperar que a Sérvia não reencontrasse seu jogo. Até o final do primeiro tempo, ainda deu a impressão de que isso seria possível. As duas defesas estavam jogando muito bem e a Espanha saiu na frente com um gol de craque do Felipe. Ele simplesmente deu o que chamamos de "pião" no famosíssimo Sapic, jogador mais caro do waterpolo mundial, com outro defensor da Sérvia tentando ajudar, trocou a bola de mãos e finalizou com a canhota, faltando um minuto para acabar o quarto. O primeiro período acabou com 1 x 0 para a Espanha e parecia que seria de novo um dia de sonhos. Aí eu acho que o técnico da Espanha cometeu um erro gravíssimo, que pode ter decidido o jogo. É claro que essa história de se o técnico não tivesse feito isso ou se aquela bola tivesse entrado é meio fantasia. Se, não ganha jogo de ninguém, mas o que ele fez foi uma falha gritante. Eu falei na mesma hora para a Ema: o Rafa enlouqueceu! Para começar o quarto ele colocou um time com o Xavi Garcia, Ivan Pérez, Piralkov, Mario Garcia, David Martin e Molina. Qualquer pessoa que acompanhe o time da Espanha sabe que quem ajuda a defender o centro, voltando rápido para abafar as bolas pingadas, são o Kiko e Felipe do lado direito da defesa e o David do lado esquerdo. O Molina também desce, mas não tão rápido como eles. Com o time que começou, o Molina tinha de marcar o centro e, dos jogadores dentro d´água, só o David poderia atuar na cobertura do centro. Com a agravante que o Ivan, pelo próprio peso, é muito mais lento na defesa que o outro centro, Xavi Valles. Era uma catástrofe anunciada. Antes que alguém interprete mal, não estou defendendo a permanência do Kiko na água e o Felipe tinha mesmo feito um grande esforço e precisava dar uma respirada. Só que os dois nunca poderiam ter saído ao mesmo tempo. Com isso, a Sérvia fez logo o seu primeiro gol e o Rafa ainda manteve o Felipe no banco, só voltando com ele no time quando o Xavi Garcia foi expulso e a Sérvia, que até ali estava jogando bem, mas longe de seu potencial, já tinha crescido no jogo e se enchido de moral. E aí os sérvios mostraram porque estiveram disputando praticamente todos os títulos importantes desta década. Um show de defesa. A Espanha não conseguia respirar e passar uma bola era um sacrifício. O Felipe esteve muito marcado e não teve nenhuma chance clara de gol, embora, como sempre, tenha se matado e conseguido cavar diversas expulsões. O Xavi Garcia fez um golaço e depois se perdeu. Começou a tentar tiros impossíveis e na defesa e nos passes errou diversas vezes. O Ivan Pérez não aguentou o ritmo fortíssimo e a marcação pesada da Sérvia. O resultado é que chegava morto na defesa e deixava buracos fatais, como uma bola em um homem a menos em que saiu para marcar o jogador mais longe e não conseguiu voltar a tempo para impedir de chutar o homem do pau do gol que saiu para receber o passe. Molina fez muita força, mas seus chutes só começaram a entrar quando a Sérvia já tinha quatro gols de vantagem e a partida já estava decidida. Não sei se foi nervosismo ou cansaço pela forte marcação sérvia, mas ele perdeu várias chances de chute em que, desde o Mundial passado e durante toda a temporada deste ano, sempre teve um percentual de aproveitamento altíssimo. O goleiro Iñaki Aguilar não chegou a fazer uma má partida. Talvez apenas em um gol se possa dizer que ele falhou claramente. O problema é que, em todos os jogos anteriores, ele estava pegando várias das bolas que hoje estavam entrando. Ontem mesmo li que o seu percentual de defesas em relaçao às bolas chutadas era o melhor entre todos os goleiros (87,5%, se não me engano). E hoje, que precisava de alguns milagres, ele jogou como um goleiro normal.
No time da Sérvia, mais uma vez, quem brilhou mesmo, chamou a responsabilidade para si e fez os gols mais importantes, foi o veterano Vujasinovic. Como joga esse cara! Na defesa, quem estava sendo marcado por ele saia da área para nem atrapalhar e, no ataque, passou ou chutou sempre de forma perfeita e no melhor momento possível. Todo mundo tem que tirar o chapéu, porque ele merece. O goleiro Soro, reserva até os primeiros jogos, fez uma grande partida. Agora, para falar mal do último técnico, o da Sérvia hoje abusou. O Sapic, como em todos os jogos anteriores, só fez besteiras, tanto na defesa como principalmente no ataque. Além do pião que tomou do Felipe, ainda errou passes e chutou oito bolas para não fazer nenhum gol. Com o fato agravante de que uns quatro desses oito chutes foram com a Sérvia ganhando de 3 ou 4 gols e faltando 10 a 15 segundos para se esgotar o tempo de ataque. E, nem assim o técnico tirava ele da água. Jogou 29 minutos, menos apenas que o Vujasinovic, que não saiu da água em momento algum.
E assim, o sonho acabou. Por mais que eu tenha ficado chateado dos meninos sairem daqui sem uma medalha, não dá para deixar de reconhecer que o time da Sérvia é nitidamente melhor que o da Espanha e que só dá para ganhá-los em situações fora do comum, onde a Espanha jogue acima do que sabe, como no jogo contra Montenegro, ou onde a Sérvia jogue menos do que pode. Seria muito mais duro se tivessem perdido para a Austrália, USA ou Itália, time contra os quais basta jogar bem. Contra a Hungria e os ex-Iugoslávia isto não é suficiente.
Para eles, assim como para a Croácia e Itália, a Olimpíada já acabou. É só cumprir tabela, porque de quarto para baixo é tudo a mesma coisa. Acredito que a Grécia, Austrália, Alemanha, Canadá e China ainda vão fazer muita força, para conseguir a melhor colocação possível, mas para quem veio pensando em medalha, não dá mais para manter a concentração.
Para o pessoal do pólo do Brasil, mesmo chateados, o momento é de se orgulhar. Afinal, sem desmerecer a medalha de ouro que a Alessandra Araújo ganhou pela Itália em Atenas 2004 e que nunca foi valorizada como merecia, pela primeira vez tivemos jogadores formados no Brasil jogando de igual para igual com as maiores feras do mundo do pólo masculino e saindo da disputa com derrotas apenas para Hungria e Sérvia. E o orgulho não deve ser apenas dos técnicos que os treinaram, porque pólo não é natação e se os companheiros de time e os adversários não tiverem qualidades, é impossível se desenvolver sozinho. Então, obrigado a todo mundo que tornou possível um momento desses, que não chega a ser tudo o que desejávamos, mas é muito mais do que podíamos sonhar quando eles começaram nesse esportezinho tão difícil e tão gostoso de jogar.
Vou tentar mandar mais relatórios dos jogos finais, mas não garanto a qualidade, porque agora é a hora da cerveja. Com moderação. é claro.
Abração,
Perrone
P.S. Muitos amigos têm me mandado mensagens, mas não está dando para mandar respostas individuais. Além do pouco tempo que passamos em casa, ainda tenho de disputar o computador com a Ema e a Kananda, Obrigado a todos.
Um comentário:
Prezado Perrone, tenho certeza de que você jamais deixará a qualidade cair. Gostaria de parabenizá-lo por toda esta informação com a qual você nos brindou e ainda nos brindará com a análise dos jogos finais. Parabenize o Kiko e o Felipe pelas belas atuações e pelo exemplo de atletas que são. Bom final de Olimpíadas para vc e sua família.
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