domingo, 24 de agosto de 2008

Olimpíada último dia - comentário Ricardo Perrone

Este é o último. Está terminando a maratona de viagens e daqui a alguns dias voltaremos ao Brasil, via Barcelona. O que vamos ter de memórias e historinhas para contar, não é brincadeira. Maior choque cultural e mais impactos visuais, só indo para outro planeta.
Como todo mundo que pensa na China lembra logo da fama de local em que as coisas são vendidas mais baratas, vamos falar um pouco disso. A primeira surpresa é que esperávamos encontrar gigantescas lojas "R$1,99", com aqueles produtos de plástico, brinquedos, equipamentos eletrônicos, ferramentas e outras quinquilharias que vemos nesse tipo de loja e nos camelôs do Brasil. Se tem, não vimos nada disso. Vai ver, foram expulsas da cidade junto com o pessoal pró-Tibete e contestadores em geral. O que vimos posso dividir em três grupos. Lojas de departamento e shoppings, o Mercado das Pérolas, ou Mercadão, como chamam os brasileiros, e a feira de antiguidades.
Nesses primeiros, tipo Rio-Sul ou Botafogo Praia Shopping, tive um problema sério. Quando a Ema resolve ir a um lugar desses, no Rio, São Paulo ou Barcelona, já temos uma rotina ensaiada. Ela fala: "Preciso dar um pulinho no Shopping. Vai ser rapidinho. Só dez minutos para comprar uma blusa". Aí eu finjo que acredito, pego um livro bem grosso, entramos no Shopping, sento em algum banco ou cafeteria e leio umas duas horas, na boa, até ela ligar pelo celular e dizer: " Já estou acabando, é que vi uma liquidação e vou só dar uma olhadinha de cinco minutos, daqui a pouquinho te encontro". Nessa hora eu tomo outro café e sento de novo para ler mais meia hora a quarenta minutos". No fim desse tempo, ela aparece, cheia de embrulhos, e com a maior cara-de-pau pergunta: "Demorei?". Claro que, como todo marido com mais de 30 anos de casado, respondo, com mais cara-de-pau ainda: "Imagina, amor. Nem percebi que tinha passado tanto tempo". Recomendo com veemência aos maridos mais novos que pratiquem esse exercício de auto-controle e, jamais esperem em um bar, pois aí a bebedeira é certa e a tática não funciona. O problema aqui é que os Shoppings não têm bancos e, quase nunca, cafeterias onde se possa ficar sentado com calma. Além disso, também não têm aquelas seções de ferramentas ou de equipamentos esportivos ou mesmo livrarias com publicações em qualquer língua inteligível. Tinha de ficar lendo em pé e depois de uma hora eu já estava de péssimo humor. Até que finalmente acordamos que o melhor era eu ir para casa e ficar escrevendo meus e-mails do que atrás delas resmungando para ir embora. Nessas lojas elas não compraram quase nada, pois os preços eram similares ou mais caros do que os que elas encontrariam nos outlets conhecidos no Brasil ou Espanha.
No segundo tipo de lojas, o Mercadão, eu dei uma de candidato ao BOPE. Implorei logo para sair. É um edifício de uns sete ou oito andares, com dezenas de stands de camisetas, bolsas, tênis, bonés e artigos parecidos, lotado de gente e com um monte de vendedoras em cada um. Tem três categorias de artigos. Mal falsificados, bem falsificados e desviados. Estes últimos são artigos supostamente fabricados por uma fábrica fornecedora da Prada, Dolce & Gabbana ou Armani e que, ao invés de serem enviados para acabamento ou distribuição fora da China, são desviados para esse Mercadão. Para ter acesso a esses artigos desviados, é necessário ser levado por alguém conhecido, que fala uma frase combinada e o vendedor então tira os artigos de dentro de esconderijos pela loja. O grande problema desse Shopping é que, além de ser insuportavelmente cheio, quando as pessoas passam, as vendedoras as puxam pelo braço e querem que comprem quase à força. Aí quem está comprando pergunta o preço, elas às vezes falam, mas na maioria das vezes escrevem na calculadora e mostram quanto querem. Por exemplo, R$300. A rotina é que quem está comprando faça sinal que é muito caro e ofereça de um quarto a um décimo do que foi pedido. Então, a vendedora chia, mas mostra um preço muito mais baixo. R$150, digamos. Se a vendedora não baixa para o valor que foi oferecido, o comprador continua barganhando ou se vira e vai embora rápido. Nesse caso, elas quase sempre saem correndo atrás, gritando um preço mais baixo e agarram o comprador. Agora, imaginem 300 ou 400 pessoas comprando de 1000 vendedoras com um sistema desses. Saí correndo de lá em 5 minutos. A Ema e Kananda compraram um monte de bolsas, principalmente. Agora mesmo estava me mostrando uma Fendi que a mulher pediu R$400 e acabou vendendo por R$30. Se passarmos no controle de peso da companhia de aviação (nosso limite é uma mala de 20kg e uma maleta de mão de 8kg), quero ver a cara que vão fazer os fiscais da alfândega de Barcelona e do Rio quando virem aquele monte de bolsas "lerrítimas", como dizia o paraguaio da propaganda na TV.
O último local de compras, por outro lado, me surpreendeu muito favoravelmente. Essa feira de antiguidades só abre aos sábados e domingos e é um pouco difícil de descrever. A parte principal é um espaço coberto por um teto de alumínio sustentado por treliças apoiadas em colunas vermelhas de uns 6m de altura. Como não tem paredes o local é bem arejado, ainda bem. No solo, há 20 corredores de 10m de largura cada um por uns 60m de comprimento, com uma metade composta por stands de 1,20m de largura por 3m de profundidade, onde ficam os artigos menores, apinhados em cima de mesas, e outra metade por stands maiores, de 3m por 3m, onde ficam peças mais pesadas, também apinhadas. Tem de tudo para decoração, como bijuterias, vasos, esculturas de madeira, pedra, marfim, plástico, barro ou metal, tapetes, quadros, jogos de xadrez, dominó e outros, móveis, uma loucura. E tudo com aquela minúcia de detalhes típicamente chinesa. A profusão de cores então é de deixar tonto. Fiquei tentando memorizar o que estava vendo para poder descrever depois, mas é muita informação visual ao mesmo tempo. Só filmando. Logo que entramos, achei que não ia gostar, por causa da quantidade de gente circulando, e, dando uma desculpa de que estava com alergia, disse que ia dar uma volta rápida e encontraria com elas 1:30h depois, na porta, mas quanto mais eu via mais gostava. Depois da primeira circulada nessa parte principal, fui olhar se tinha mais alguma coisa. No final dos corredores, tinha uma construção de dois andares, com esculturas de animais e vasos mais sofisticados, que deveriam ser mais caros, nas lojas da parte de baixo. No andar de cima, souvenirs da Revolução Cultural, pinturas e estudos de caligrafia chinesa. Por trás desse prédio, ao longo de seus 200m, um enorme sebo, com livros e revistas espalhados no chão e muita gente folheando.No fim do corredor divisei uma passagem que levava a outro corredor, ao ar livre, com mais lojas de móveis, e a uma área de estacionamento coberto, atrás da qual, em um espaço de 50m por 4m, havia esculturas de pedra de um palmo de altura até deusas e leões de até 6m de altura com uma base de 4 x 3 m. Imaginem o tamanho da casa de quem comprar uma coisa enorme dessas. Ainda passei por dentro de outro prédio com ar condicionado e lojas de armários e móveis mais parecidas com o que estamos acostumados. Voltei à parte principal e só continuei olhando os stands, cada um com objetos mais bonitos (ou pelo menos diferentes) que os outros. É uma gigantesca galeria de arte popular. O que me agradou mais foi que apesar do aparente tumulto, os vendedores eram bem menos ansiosos que os do Mercadão e, de uma forma geral, ficavam atrás de suas bancadas, sem atacar os clientes. Quando percebi, já estava na hora de encontrá-las para almoçar e, desta vez de verdade, não tinha nem percebido o tempo passar.
E agora, aos jogos finais. Antes de tudo, uma correção: no jogo de Montenegro ontem, eles ganhavam de 6 x 3 (e não 4 x 2, como escrevi), quando o técnico húngaro trocou o goleiro.
De manhã, o primeiro foi Itália x Alemanha, pelo 9o lugar. Começou meio sem graça, com apenas alguns jogadores da Itália, como os mais novos e o Calcaterra, que queria garantir a artilharia, fazendo força. Do lado da Alemanha também era visível a diferença de empenho hoje, quando comparada aos jogos da fase preliminar. A diferença no placar final acabou se dando pelo fato de que os jogadores da Itália têm um condicionamento tático muito melhor que o da Alemanha e seus erros tiveram consequências menos graves que os da Alemanha. Poderia até dizer que o jogo no geral não foi bom, mas, nesse nível, sempre vale a pena ir ver, porque no mínimo saem diversos golaços, como o do centro Schwertvitis, de inglesa após falta nos 5m que o Tempesti nem levantou o braço. Ou os feitos pelo Calcatera, numa aula de técnica individual na área de 5m. O placar final de 10 x 8 para a Itália foi justo.
O segundo jogo da parte da manhã foi Grécia x Austrália. Ambos jogaram a 80%, com a Austrália dando a impressão que ganharia até o meio do jogo, para no final, mais uma vez, fazer uma porção de besteiras e perder por 9 x 8. Quem jogou muito bem foi o Christos Afroudakis, que anda sumido do estrelato, depois de ser o melhor jogador junior do mundo e muita gente, principalmente ele mesmo, que é nojento de mascarado, ter pensado que seria o novo Kasas. Excelente apresentação, embora tardia. Do lado da Austrália, não houve destaques individuais e o Pietro fez três belos gols nas poucas chances que teve, mas no final fez duas besteiras seguidas que acabaram com as esperanças da Grécia.
Na hora do almoço a Kananda recebeu um telefonema. Estavam nos oferecendo entradas grátis para a final de basquete, entre USA e Espanha. Como era na hora das finais do pólo, ela deu para uns espanhóis amigos. Os caras custaram a acreditar que não era brincadeira. Uma entrada dessas estava por R$250 no oficial e imagino que, pelo menos, uns R$ 2.000 no câmbio negro. É como se um brasileiro ganhasse entradas grátis para a final do futebol.
Na parte da tarde, às 13:00h, o último jogo da Espanha, contra a Croácia, pelo 5o lugar. A Espanha, mesmo em um nível ligeiramente mais lento do que vinha jogando até então, começou o jogo muito mais interessada do que a Croácia, que parecia apática. As chances foram se apresentando e em cinco ocasiões claras de gol, inclusive um pênalti, os chutes pararam no goleiraço Vican. Enquanto isso, a Croácia, com muito menos volume de jogo ia marcando nas poucas chances que tinha e o 1o quarto terminou 2 x 0 para eles. No segundo tempo, inicialmente deu a impressão que o encantamento ia continuar, com o Vican pegando até pensamento, até que sobrou uma bola para o Xavi Garcia nos 3m e, depois de quatro balançadas, ele fez o gol e quebrou o feitiço. Daí para frente as bolas da Espanha começaram a entrar e conseguiram fechar o 2o quarto empatados em 5 x 5. O Felipe, nesses últimos dois quartos resolveu então mostrar que não estava ali para brincar e jogou como se fosse uma final olímpica. Além do costumeiro, que é "só" marcar o centro, dar contra-ataques, fazer o segundo centro e chutar de fora, também disputou os dois sprints finais e ganhou um. Fez dois bonitos gols na raça e no meio do último quarto a Espanha estava ganhando já de 10 x 6 quando a Croácia viu que ia acabar tendo uma derrota vergonhosa e resolveu fazer força. Ainda conseguiram encostar em 10 x 8, com a Espanha mais interessada em prender a bola até o jogo acabar, mas o jogo acabou em 11 x 9. Foi bom para a Espanha esse 5o lugar, perdendo apenas para o time campeão e o medalha de bronze, mas vamos ficar sempre pensando no que teria acontecido se tivessem cruzado com os Estados Unidos e não com a Sérvia, nas quartas de final. O Kiko só jogou um minutinho, porque o técnico achou que não valia a pena expô-lo a mais riscos sem estar disputando medalha. Achei certíssimo. Agora, vamos esperar a total recuperação, que os médicos falaram que será daqui a dois ou três meses, para ver como vai ficar.
No segundo jogo, Sérvia e Montenegro se enfrentaram pela medalha de bronze. Antes do jogo, minha expectativa era de que Montenegro, que foi aos jogos com uma delegação de 18 atletas, sendo 13 do pólo aquático, entrasse muito mais motivada em tentar a primeira medalha de seu país do que a Sérvia, onde as brigas internas deviam estar muito mais difíceis de contornar, depois da derrota humilhante de sexta passada. Entretanto, algo surpreendente e decisivo aconteceu na véspera da partida. O goleiro Sefik, ainda perturbado pela derrota para os USA e pela sua barração durante o campeonato, deve ter ido tirar satisfações com o Sapic, que jogou mal em todas as partidas importantes, e os dois sairam na porrada. Alguém consegue imaginar o que deve ter sido uma briga em ambiente fechado entre dois elefantes daqueles, Sefik com 2m e 120kg e Sapic com 1,88 e 100kg
? Resultado: Sefik para o hospital de Pequim, com a mão quebrada, e Sapic levado para a Itália para operar a perna que quebrou ao cair (ou ser jogado) de uma escada. Com isso tudo, a Sérvia apareceu para jogar com 11 jogadores, mas sem o foco dos problemas internos, que era o Sapic, e precisando desesperadamente de uma vitória para apagar um pouco a má impressão que a notícia do acontecido vai causar em Belgrado. E isso logo se refletiu no aquecimento e no jogo. Pela primeira vez a Sérvia jogou com a gana e a vibração que eu vi no Mundial de 2005, quando conseguiram sua primeira grande vitória sobre a Hungria na final. Foi mais uma demonstração de capacidade defensiva. A Sérvia, nos 7 jogos a sério (esqueçam o da Itália) que fez na Olimpíada, só levou mais de 5 gols na derrota para a Croácia e no desastre contra os USA. Montenegro até começou o jogo bem, mas a medida que seus chutes iam sendo sempre bloqueados pelos beques e, mais raramente, pelo goleiro da Sérvia, começaram a se desesperar e fazer uma besteira atrás da outra. O primeiro gol de Montenegro foi feito faltando apenas um minuto para terminar o 2o quarto e mesmo assim, de pênalti. Com 6 x 2 no final do terceiro quarto, a Sérvia diminuiu um pouco o ritmo e deixou o placar final se reduzir para 6 x 4.
Na final, um USA cheio de vontade enfrentou a Hungria, que tinha a motivação extra de estar tentando obter a terceira medalha de ouro consecutiva. Suponho que muita gente tenha visto o jogo, que deve ter passado aí na TV. Que beleza, não foi
? Cada golaço da Hungria era respondido por outro golaço dos americanos, que pareciam estar em estado de graça. Tudo dava certo para eles e a bola só ia fora do alcance do goleiro, Gergely, que foi promovido a titular depois de ter entrado no meio do segundo tempo na semi-final contra Montenegro, com a Hungria três gols atrás. Hoje foi exatamente o contrário. No sétimo gol dos USA, no meio do 2o tempo, virei para a Ema e disse que o técnico húngaro devia trocar o goleiro, porque os americanos tinham perdido o respeito. Foi eu falar e ele fez exatamente isso. O novo goleiro, Sceczi, pegou duas boas bolas seguidas e o jogo mudou. A Hungria foi abrindo aos poucos e os USA daí para a frente só fizeram mais 3 gols, contra os 6 da Hungria, para fechar o placar em 14 x 10. Na Hungria vários jogadores atuaram bem, mas vale destacar os jovens irmãos Varga, Daniel e Denes, que fizeram 5 desses últimos 6 gols e garantiram sua vaga na seleção húngara por um bom tempo.
Dentre os americanos, o destaque absoluto foi o Tony Azevedo, que jogando mais uma vez os 32 minutos da partida, organizou o time, defendeu, contra-atacou e marcou quatro gols nos cinco chutes que os húngaros não conseguiram impedí-lo de dar. Quem teve a chance de ver a marcação que esses húngaros e os sérvios são capazes de fazer em qualquer jogador que se destaque em um time, como, por exemplo, a marcação que fizeram no Felipe e no Molina, sabe o que significa o feito dele. Para muita gente, ele foi o grande craque do campeonato. Aliás, na artilharia geral, três brasileiros no topo, Tony em 4o, com 17 gols, e Felipe e Pietro empatados em 5o com 16 gols.
Como comentário final, as arbitragens me pareceram bastante homogêneas e mais leves do que antes, isto é, diminuiu um pouco aquela luta livre no centro, com os juízes apitando muito mais faltas e contra-faltas sem a bola. Ainda continuei sem entender muitas vezes o que estavam apitando, mas a visão do juiz é bem diferente de quem está num estádio grande.
Muito obrigado mais uma vez a quem torceu pela família e até Londres 2012.
Abração, Perrone

4 comentários:

Anônimo disse...

boa perrone, parabens pelos relatos do polo.
abracos pra family

Anônimo disse...

Perrone

PARABÉNS - o Sr além de pai coruja com razão foi promovido a correspondente oficial dos eventos internacionais.
ADOREI cada um dos relatórios e chorei ou ri com eles, como o da espera das compras hoje...
Tomara que os "meninos" joguem SEMPRE para nossa alegria na água e nas leituras.

obrigada

Cristina Guimarães

Emir disse...

Prezado Perrone, parabéns pelos relatos. Espero que Sr possa continuar mandando mais algumas matérias para o blog, como fazia naquele antigo site. Nesta matéria final, realmente foi muito engraçada a sua história pela espera da sua esposa no shopping. Mais uma vez mande um abraço para os filhões e bom regresso.

Marcelo Hazan disse...

olá Perrone!! Achei um barato suas estórias,vc conseguiu transmitir ,muito bem, o clima de pequim e também adorei os comentários técnicos das partidas.
Grande abraço!
Branquinho(aqui em sampa carioca, hehe)