Ontem e hoje fomos ao Atletismo com ingressos fornecidos por nossos amigos daqui. Como dizem os meninos, com 0800 (de graça), é tudo maravilha. Só tinha visto o Estádio principal, o "Ninho de Pássaro" de longe ou pela televisão e internet. De perto e por dentro é ainda mais interessante. A estrutura externa, com aquelas vigas e colunas entrelaçadas que dão o aspecto de ninho, é de uma leveza total e é até uma surpresa quando se entra e se depara com os 90.000 lugares sentados do Estádio. Por dentro, iluminação ótima, cadeiras confortáveis, limpeza, telões de ambos os lados, um em chinês e o outro em inglês, prismas no campo com placares eletrônicos apresentando o que está acontecendo em cada prova, informação completa. Aliás, informação até demais, para quem como nós está acostumado a ver atletismo apenas pela TV. Em alguns momentos havia, por exemplo, salto em altura em duas pistas adjacentes, corrida de 3.000m com obstáculos, salto triplo e o telão apresentando atletas para a próxima prova. Você fica sem saber para onde olhar. Dos brasileiros, só deu para torcer pelo do salto em altura. O cara estava indo muito bem, mas a prova não foi concluída. Show mesmo foi da Isimbayeva no salto com vara. Que elegância e charme tem a menina, Quase o Estádio todo permaneceu para vê-la bater o recorde mundial, quando todas as outras provas já tinham acabado.
A infra-estrutura dos Jogos, como um todo, está muito boa. Tudo muito limpo, bem sinalizado e com mais voluntários que formiga. Claro que sempre tem alguns problemas de comunicação, principalmente quando você precisa ir a algum lugar que não esteja dentro do programa olímpico ou do turismo tradicional, mas nada que não dê para resolver com um bom mapa, muita paciência e muita mímica. Na saída do Estádio Olímpico, assim como no jogo de basquete anteontem, tivemos um pouco de dificuldade para pegar um táxi. Um dos poucos pontos falhos é que não há um sistema de ònibus específicos para transportar o público até a entrada do metrô. Ou talvez haja e nós é que não sabemos. A segurança também é total. Andamos pelas ruas a qualquer hora do dia ou da noite sem preocupação. As ruas e avenidas são todas muito limpas e bem asfaltadas. Em um "relatório" anterior, mencionei que a cidade parecia com Miami ou Barra da Tijuca, mas estava me referindo apenas à mistura de estilos arquitetônicos. Na verdade, hoje, acho que não há nenhuma cidade que possa ser comparada com Pequim. Em qualquer direção que você ande, por dezenas de quilômetros, tudo é novo. Eles contrataram várias empresas do mundo todo para projetar as construções e tudo é cercado por jardins e bosques lindos e absolutamente impecáveis, sem uma árvore ressecada nem um espaço mal cuidado. Só mesmo em um regime que o governo é ou era dono de tudo seria possível reconstruir tudo. Ou, como no caso de Brasília, onde fosse possível partir do nada. Para confirmar a regra, descobri, passando de táxi, uma favela ao longo do rio. Escondida atrás de painéis, como fizeram em alguns lugares no Pan, ou de árvores, mas estava lá. Nada que dê para impressionar quem mora em qualquer cidade grande do Brasil, que dirá do Rio de Janeiro.
A população aqui é quase toda magra. São raros os gordinhos e não vi nenhum obeso até agora. E olhem que já cansei de ver chinês. Alguém da área de nutrição tem que me explicar isso, porque a comida local é super gordurosa, cheia de molhos e muito apimentada. Talvez isso mude logo, porque, além dos McDonald´s e Pizza Huts estarem se proliferando, a imagem que eu tinha de uma cidade em que todo mundo anda de bicicleta também não se confirmou. Tem bem mais ciclistas que o Rio ou São Paulo, é claro, mas está longe daquele mar de gente circulando de bicicleta que víamos nos filmes antigos. Acho que com o tamanho da cidade, a melhoria do transporte coletivo e o aumento vertiginoso do número de carros nas ruas, os chineses estão desistindo de enfrentar o desconforto de pedalar em Pequim, que é muito fria no inverno e muito quente no verão.
Pela primeira vez, e espero que última, fomos à piscina relaxados. Só para apreciar bons jogos de pólo. Afinal a Espanha estava classificada para as quartas e daqui para a frente, ainda mais com o equilíbrio reinante, não dá para escolher adversário. É só pedreira. Na entrada, um voluntário virou-se para mim e mandou: "Do you speak chinese?". Cheguei a olhar em volta para ver se era orientação de algum master safado que veio à China sem eu saber, mas era a sério mesmo. Também já vi muitas senhoras aqui muito parecidas com minha mãe e minhas tias, cujo avô era chinês. O engraçado é que também tenho um bisavô francês, um italiano e uma holandesa, mas nenhum holandês ainda achou que eu falo sua língua, não sei porque.
Logo de cara uma surpresa. Sérvia e Itália fizeram um jogo em ritmo de coletivão, sem uma pancada e sem ninguém comemorar qualquer gol ou defesa. Muito estranho. Depois confirmei minhas suspeitas. Anteontem eu tinha me enganado na contagem de pontos da Sérvia e ela já estava classificada e a Itália fora das quartas de finais. Com isso, se a Sérvia perdesse ou empatasse e os USA ganhassem, a Sérvia se classificaria em terceiro, em vez de segundo e, se passasse nas quartas, pegaria os USA nas semi-finais. Um adversário bem mais promissor que a Hungria, caso passassem em segundo. O boato que corria nas arquibancadas é que foi isso o que eles fizeram e perderam de 13 x 12 de propósito. Difícil de saber com certeza, mas já vi coisas bem piores, como em um jogo de Liga Mundial onde apenas o placar de 14 x 13 serviria para classificar Rússia (acho) e Hungria para as finais e empataram de 11 x 11, para depois a Hungria perder 3 dos 5 pênaltis e a Rússia 2, para fechar o placar desejado. Só que foi tão escandalosa a armação que a FINA puniu os dois países com a perda de dois pontos e a Rússia ficou de fora, passando a Espanha. Fora outros muitos resultados estranhos entre equipes européias.
O jogo seguinte, entre Canadá e Hungria também foi meio coletivo, isto é, a Hungria fazendo um monte de gols de inglesa, passes de longe e firulas que nunca faria em um jogo "sério" e o Canadá se matando para não passar vergonha. Quem já jogou contra a Hungria sabe do que estou falando. No final, um 12 x 3 que poderia facilmente ter sido 24 x 3 se a Hungria precisasse de saldo de gols.
O último jogo da manhã sim, "a vera". Com vitória ou empate Montenegro passaria às quartas e com uma derrota daria a vaga para a Austrália. Os australianos, que haviam perdido para Espanha e Hungria por apenas um gol, jogaram com toda alma. Se acabaram de nadar, só estiveram perdendo o jogo no início do 1o quarto e no final do jogo, com homem a mais faltando 28s, pediram tempo, armaram e executaram perfeitamente uma jogada ensaiada, para o jogador número 5, Maitland, receber no pau do gol e chutar no alto, nas mãos do goleiro. O pessoal que treinou comigo no Guanabara e no Master vai lembrar o número infinito de vezes que já falei para a garotada que essa bola deve ser sempre chutada embaixo, no canto cruzado, pois o goleiro, não sabendo se você vai dar um tapa rápido no alto, como fez o Maitland, tem de levantar os braços na hora do passe e deixa aquele espaço aberto. Alguns especialistas, enormes e pesados, como o Hinic ou o Calcaterra, conseguem receber essa bola muito alto e se manter lá em cima, não se desequilibrando se forem empurrados embaixo. Nesse caso, é possível girar, olhar e escolher onde chutar, mas o jogador "normal" só tem essa opção que falei, qualquer outra pode até dar certo, mas é muito mais arriscada. Resultado, empate de 5 x 5 e Montenegro classificado para as quartas. O time de Montenegro pareceu bastante cansado, como se tivesse "virado o fio", isto é, atingiu o auge durante o Campeonato Europeu e agora está com vários jogadores entrando em estafa. O Pietro Figlioli esteve muito marcado e não pegou nenhuma bola boa para chutar.
A rodada da tarde começou com um USA x Alemanha também decisivo. Com a derrota da Sérvia os USA tinham ficado em uma posição perigosa. Se ganhassem, ficavam em primeiro no Grupo B e passavam direto para as semi-finais. Se empatassem, ficavam em segundo e enfrentariam Montenegro nas quartas de final. Se perdessem, a Alemanha se classificava em 3o e os USA sairiam da disputa de medalhas. O jogo foi muito tenso e os americanos não conseguiram respirar até o final, sendo que os juizes ainda anularam um gol para mim perfeitamente legal, faltando menos de 30 segundos para terminar, acusando dois movimentos quando o centro alemão levou a bola para trás para voltar ao lugar e marcou de inglesa. Os USA não jogaram bem, provavelmente pelo nervosismo provocado pela situação e pela tradição que a Alemanha tem de engrossar os jogos com eles. Seu ataque voltou a não funcionar bem e o Tony Azevedo não fez nenhum gol, o que é bastante raro. Do lado da Alemanha, Heiko Nossek, pela primeira vez nesta olimpíada, mostrou o canhão que tem no braço direito. Fuzilou o goleiro americano e fez 5 gols em 7 chutes de longe, sendo um deles de pelo menos 10 metros. No final, 8 x 7 para os USA.
Depois foi hora de show. Felipe showtime. A Espanha entrou de novo mostrando que o time está com um nível incrível de concentração. Pela quinta vez consecutiva, saíram na frente no placar e abriram logo uma boa diferença. Primeiro quarto 2 x 0 e 5 x 0 no fim do 2o quarto. O que não foi igual às duas outras partidas é que o Molina estava com azar e seus chute não entravam e o Xavi Garcia, depois de meter um golaço de longe, perdeu um pênalti e também parou de acertar. Aí o Felipe mostrou que realmente não está para brincadeiras nesses Jogos. Usou o repertório completo. Gols de longe, do lado direito do campo, de primeira, balançando, de encoberta. No total, sete gols em 8 chutes. Alguns desses gols vale comentar. Por exemplo, teve um de homem a mais em que balançou três vezes com o marcador longe, depois deu mais três ou quatro balançadas com o beque com a mão no peito dele e tentando inutilmente afundá-lo. Quando finalmente chutou, o goleiro já estava tão afundado que nem levantou os braços. Outros dois (ou três?) que fez chutando de primeira, muito rápido, me lembraram das aulas do Barriga no Guanabara, insistindo para que o Kiko, e alguns anos depois o Felipe, treinassem esse tipo de chute para pegar o goleiro e a defesa no contra-pé. Aliás, esta é uma jogada que podemos chamar de brasileira sem ufanismo, porque o único jogador de alto nível, além do Kiko e Felipe, que me lembro de usar com frequência esse chute é o Tony Azevedo, dos USA, ensinado por seu pai, nosso companheiro de seleção na década de 70, Rochinha.
No terceiro tempo, a Espanha, com a folga no placar, baixou um pouco a pressão e a Grécia ainda tentou voltar ao jogo, mas a cada vez que parecia que ia encostar o Felipe tirava mais um coelho da cartola e não deixava os gregos crescerem, com o detalhe de que no 3o e principalmente no 4o quarto ainda foi marcar o centro. Nesta questão de marcação ele também está com números impressionantes. Contando os sete jogos do Campeonato Europeu e mais os cinco destas olimpíadas, até agora ele só foi expulso duas vezes. Considerando que ele marca o centro pelo menos um quarto por jogo e nos outros quartos tem de segurar jogadores que são perígosíssimos fazendo o segundo centro, como o Benedek, da Hungria, uma estatística dessas é muito mais difícil do que esses sete gols, embora não chame tanta atenção.
Depois do jogo, deu para conversar uns dez minutos com os meninos, antes que voltassem para a Vila. O Kiko deu uma boa melhorada em sua velocidade e aceleração e empatou uma e perdeu outras duas disputas de bola no início dos quartos por centésimos, ao invés de décimos de segundo, como nos primeiros jogos. Perguntei o que houve e ele me falou que ontem e anteontem depois do jogo fez treinos específicos de tiros curtos e elástico, mas que os óculos escuros estão impedindo que ele veja a bola por baixo d´água e que perde velocidade tendo de levantar a cabeça para vê-la. Perguntei se ele tinha cogitado de tirar os óculos para os jogos finais, mas ele respondeu que conversou com o técnico e ele não quer que faça isso. Primeiro porque se sente responsável pela presença do Kiko aqui, uma vez que tomou a decisão de levá-lo se apenas pudesse cair na água. Em segundo lugar porque acha que se o Kiko levar algum golpe no olho durante o jogo, ele e o time todo vão ficar preocupados e perder a concentração. São argumentos tão razoáveis que não dão para discutir. Mas, para quem possa estar preocupado com o fato do Kiko se chatear por estar jogando menos tempo do que o normal, ele me falou: "Pai, depois do susto e do medo que fiquei de ser cortado, se eu estivesse aqui só levando água para o time já estaria feliz".
O último jogo era entre Croácia e China e não fiquei para ver mais um coletivão. Agora, os USA e a Hungria estão classificados para as semi-finais e as quartas de final serão entre Sérvia e Espanha, com o vencedor encarando os USA, e Croácia e Montenegro, com o vencedor pegando a Hungria. A Sérvia não jogou bem nas quatro primeiras partidas e escondeu o jogo na quinta. Só espero que ela não resolva achar esse jogo logo agora.
E agora vamos visitar a Vila a convite do Techima, mas não deve dar para ver os garotos porque o técnico quer o time concentrado e já encrencou muito com aquela confusão dos ingressos. Está certo.
Antes de ir, uma visitinha à Igreja, sem resmungar, que a hora é essa.
Abração,
Perrone
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